A responsabilidade dos coobrigados pessoais na recuperação judicial da empresa

Autor: Roberta Resende / Emmanoel Alexandre de Oliveira

Diante do sensível aumento do número de pedidos de recuperação judicial, ganham relevo algumas questões apreciadas pelos tribunais à luz da Lei 11.101/2005.

Sob esse propósito, pertinente examinar acórdão[1] recém-proferido pela Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relatado pelo ilustre Desembargador Pereira Calças, que se deteve, primordialmente, no alcance da novação ocorrida com a concessão da recuperação.

O respeitável acórdão em tela retrata a tese predominante no Tribunal de Justiça paulista, segundo a qual “(...) a concessão da recuperação judicial para a empresa devedora não afeta as garantias dos débitos sujeitos ao plano, podendo os credores cobrar as dívidas dos coobrigados, fiadores ou avalistas, pelo valor integral a partir dos respectivos vencimentos”.

Da premissa acima nascem duas correntes: para alguns julgadores, diante da ressalva expressa feita pela Lei 11.101/2005, a cláusula que, em plano de recuperação, coloca também os garantidores das obrigações sob a suspensão concedida à empresa recuperanda é nula de pleno direito.

Para outra corrente, no entanto, entendimento esposado pelo eminente desembargador-relator do acórdão em estudo, “(...) cuidando aludida cláusula de garantia de natureza pessoal (fiança/aval), direito patrimonial e, considerado dispositivo, inexiste proibição legal de inserção da cláusula extensiva da novação aos coobrigados no plano de recuperação judicial, sujeita, evidentemente, à aprovação ou rejeição pela Assembléia Geral de Credores”. O que, a seu ver, é que aqueles que concordarem com referida cláusula estarão “renunciando ao direito de executar autonomamente os garantidores pessoais – fiadores e avalistas –, durante o prazo de “supervisão judicial” de 2 (dois) anos, previsto no artigo 61, da Lei n.° 11.101/2005” (grifo nosso).

Do posicionamento acima exposto decorre que a cláusula de plano de recuperação que almeje estender a novação das obrigações aos coobrigados pessoais (fiadores e avalistas) só tem eficácia perante os credores que com ela. É ineficaz em relação aos credores (i) que não compareceram à Assembléia; (ii) que se abstiveram de votar; (iii) que votaram contra o plano; (iv) que formularam objeção em que argumentaram a ilegalidade da suspensão das obrigações dos garantidores.

Para o ilustre julgador, assim é porque a novação extensiva aos coobrigados afronta os artigos 49, § 1°, e 59, ambos da Lei 11.101/2005, que expressamente ressalvam “coobrigados, fiadores e avalistas” e as “garantias”. Aliás, conforme lembrado por julgadores e doutrinadores citados no mesmo julgado, é a mesma sistemática que presidia o antigo Decreto-lei 7.661/1945 (cujo artigo 148 previa que “a concordata não produz novação, não desonera os coobrigados com o devedor, nem os fiadores deste e os responsáveis por via de regresso”), e a mesma lógica encontrada no direito comparado (o erudito decisum comenta o direito concursal espanhol, português, italiano e argentino). Do exame sistemático do instituto da recuperação, portanto, sobressai que a “novação concursal” difere, em sua natureza jurídica, da novação do Código Civil. E nem poderia ser diferente, sob pena de contrariar, dentre outros, os princípios que informam o direito cambial, fundamentado na autonomia do aval.

Em resumo, ao traçar os limites da novação sui generis ocorrida com o deferimento da recuperação judicial, o brilhante acórdão corrobora as assertivas pelas quais vimos propugnando: ao credor da empresa em recuperação impõe-se participar ativamente da discussão de cada cláusula do plano proposto.



[1] Agravo de Instrumento current logic 580.551-4/0-00; Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do TJ/SP; rel. PEREIRA CALÇAS; julgado em 19/11/2008.

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