Sobre a ADPF 165 - A legitimidade dos bancos x direito dos poupadores

Autor: Roberta Resende / Andrea Teixeira Pinho Ribeiro

No dia 05 de março último, a Consif – Confederação Nacional do Sistema Financeiro, entidade que reúne as instituições financeiras brasileiras, propôs, perante o Supremo Tribunal Federal, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, a fim de obter pronunciamento definitivo a respeito da controvérsia que cerca a constitucionalidade dos planos monetários governamentais das décadas de 1980 e 1990. Em pedido liminar, pleiteou a sustação da “prolação de qualquer decisão” e suspensão de “andamento de processo” relacionado à matéria. (O Ministro Henrique Ricardo Lewandowski negou a liminar, diante do que foi interposto Agravo Regimental, que aguarda julgamento).

No mérito, requer seja fixada a interpretação de que a garantia constitucional ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido não se aplica aos dispositivos que fundamentam os planos econômicos editados no Brasil a partir de 1986.

A questão explica-se pela existência de milhares de ações em trâmite nas instâncias ordinárias em que correntistas pugnam pelo recebimento dos chamados “expurgos inflacionários” (diferenças relativas à correção monetária dos saldos de cadernetas de poupanças e outros depósitos bancários existentes à época da edição dos planos). Tanto o número de ações – que há poucos meses estava estimado em 515 mil, mas que tende a aumentar – como a cifra que representam, seriam responsáveis por vultosa quantia, o que poderia acarretar, sustentam os bancos, efeitos macroeconômicos.

A ocorrência de decisões conflitantes também evidenciaria a “necessidade pública” [1] de prestação da jurisdição constitucional concentrada.

Alegam os correntistas que a edição de normas de política monetária, alterando os índices de correção das cadernetas de poupança e de outros depósitos bancários, teria ocorrido ao arrepio da proteção constitucional ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (artigo 5°, inciso XXXVI da Constituição). Insurgem-se, em suma, contra a aplicação de índices deflatores pelos planos econômicos .

A Consif, por outro lado, embora esteie sua argumentação no mesmo inciso XXXVI do artigo 5° da Constituição Federal, defende o entendimento segundo o qual a aplicação “equivocada” pela qual vêm propugnando os correntistas nas ações individuais que pululam país afora é que configuraria violação ao direito adquirido, já que “tanto vulnera a lei aquele que inclui no campo de aplicação hipótese não contemplada, como o que exclui espécie por ela abrangida”[2] .

Nesse sentido, explica que as citadas medidas monetárias foram adotadas a fim de evitar o enriquecimento sem causa dos credores diante da interrupção abrupta do processo inflacionário. “Para tanto era preciso que, a partir da nova legislação (plano monetário), as obrigações não mais se reajustassem pela inflação do passado, que anteriormente servia de base para a atualização dos débitos e créditos”.[3]

Assim, fixa os lindes da controvérsia constitucional em torno da interpretação e do alcance que deverá ser dado pelo Supremo Tribunal Federal à garantia do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, a fim de que seja pacificada a jurisprudência.

Com a intenção de demonstrar que em reiteradas ocasiões anteriores o Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela constitucionalidade de referidos planos econômicos, bem como de suas “tablitas”, a Consif passa a examinar detidamente diversos acórdãos proferidos pela Corte Suprema.

Com esse objetivo, destaca que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que “não há direito adquirido a um regime jurídico determinado, especialmente no campo monetário, quer em relação à moeda utilizada pelas partes no contrato, quer em relação ao respectivo indexador, que se refere ao poder aquisitivo.”[4] Reforça a argumentação lembrando que essas medidas monetárias foram tomadas em contextos especialíssimos (“grave quadro de instabilidade monetária e econômica” [5]), que consistiram na essência de projetos que buscaram preservar a economia do país (matéria de ordem pública) e, sobretudo, foram editadas com lastro nos artigos 21, incisos VII e VIII, e 22, VI ,VII e XIX, da Constituição Federal.

Aduz que a aplicação do índice deflator em contratos e títulos de créditos que venciam após a edição dos planos deu-se por meio de “normas de ordem pública monetária, editadas pela União Federal, cujo comando sujeita não só os particulares, como também, fundamentalmente, os bancos que, como instituições financeiras, repassam recursos alheios e funcionam sob a fiscalização do Poder Federal (...)” [6].

Pondera, por fim, que a interpretação a ser conferida ao princípio do direito adquirido deverá levar em conta a organização sistemática do ordenamento, o que impõe entender as normas monetárias não como um fenômeno isolado, e sim como parte de um todo, a fim de impedir “uma quantidade de decisões singulares desconectadas e contraditórias” [7], e preservar a segurança jurídica, princípio também basilar do Estado de Direito, na medida em que “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida.” [8]

Em síntese, com base nos argumentos de que os bancos agiram pautados pela lei e pela, e que interpretação contrária configuraria violação ao artigo 5, inciso XXXVI da Carta Magna, bem como ruptura do pacto federativo, na medida em que permitiria que em diferentes unidades da Federação houvesse aplicação diversa para os mesmos diplomas legais (aqueles que veicularam os planos econômicos), busca a Consif obter declaração jurisdicional definitiva que reconheça a legitimidade da conduta adotada pelos, à época da edição dos planos econômicos, fixando que não há que se falar em direito dos poupadores ao recebimento de diferenças de correção monetária, tudo isto para pôr fim à controvérsia constitucional que hoje cerca o tema.

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[1] Item 5 da inicial da ADPF 165.

[2] Item 43 da inicial da ADPF 165.

[3] Item 72, da inicial da ADPF 165.

[4] Item 152, da inicial da ADPF 165.

[5] Item 58, da inicial da ADPF 165.

[6] Item 160 da inicial da ADPF 165.

[7] Item 165 da inicial da ADPF 165.

[8] Canotilho, J. J. Gomes. Apud item 183 da inicial da 165.

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