Quando o direito à saúde é posto em risco

Autor: Roberta Resende / Emmanoel Alexandre de Oliveira

O direito à saúde é bem imaterial precioso ao ser humano. É corolário da preservação da vida, e mais que isso, da vida digna.

Em nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal, já em seu artigo 1°, III, afirma que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a “dignidade da pessoa humana”; mais à frente, nos artigos 196 e seguintes, dedica-se especialmente à tutela da saúde, “direito de todos e dever do Estado”, para cuja garantia o Estado deve implementar “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos”.

Logo em seguida, no artigo 199, o texto constitucional autoriza expressamente a iniciativa privada a explorar os serviços de assistência à saúde, o que em um contexto de ineficácia total dos serviços públicos, fez com que os planos e seguros-saúde privados se espraiassem por toda a sociedade. Impôs-se, assim, ao legislador, a necessidade de estabelecer regras para o seu funcionamento, o que se deu com a edição da Lei 9.656/1988.

Nos dias que correm, por ocasião das infelizes demissões em massa que têm assolado muitas empresas, algumas disposições da Lei 9.656/1988 merecem ser destacadas. Trata-se dos artigos 30 e 31, que asseguram ao consumidor contribuinte de plano ou seguro privado coletivo de saúde, em caso de rescisão de seu contrato de trabalho, ou ainda em caso de aposentadoria, o direito de permanecer como beneficiário do plano em iguais condições ao tempo em que era empregado, desde que arque com a parcela antes paga pelo empregador.

A lei é clara, não demanda interpretação, e a jurisprudência é pacífica:



“Nesse sentido, é que prevista a proteção do referido artigo 31, que garante, não só a permanência do aposentado no plano, como, também, que ela se concretize nas mesmas condições anteriores, desde que pague o valor integral do prêmio, suprindo a parte eventualmente coberta pelo empregador.”[1]



“Ademais, é importante observar que a lei [caput do art 31], ao dispor que é assegurado ao aposentado o direito de manter-se como beneficiário no plano de saúde "nas mesmas condições", quer se referir não só às condições de cobertura, como também ao valor das mensalidades, que deve ser a igual ou no mínimo compatível com a que se pagava em atividade, pois a única diferença permitida é de que o custo deve ser de responsabilidade do próprio ex-empregado [2] “



“Ora o texto supra é claro e não permite dúvida sobre o direito do autor de manter o plano de saúde de que era beneficiário em virtude do vínculo empregatício, sendo irrelevante que a GM disponibilizasse o seguro aos funcionários cobrando-lhes quantia modesta e/ou descontada a título de co-participação, até porque essa conduta era estranha à ré e não influía em suas obrigações contratuais”[3]



Ressalte-se que além do direito à saúde, essencial à dignidade humana, é matéria pertinente às relações de consumo, e sob esse ângulo, também, demandará o olhar do julgador:



“Observa-se que o contrato em debate envolve relação de consumo, circunstância que, nos termos da Lei 8.078/90, recomenda que as hipóteses de exclusão sejam redigidas de forma clara (art. 46) e, na dúvida, sejam interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47).”[4]



Em caso de aposentadoria (artigo 31), aos relevantes argumentos da proteção constitucional ao direito à saúde, deve-se acrescer a peculiar situação enfrentada pelo idoso, para quem uma nova contratação de plano ou seguro a essa altura da vida significaria ônus excessivo, afrontando, além dos já mencionados artigos da Constituição Federal, das disposições do Código Consumerista, também aqueles regulados pelo Estatuto do Idoso.

Conforme lembrado em acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, não seria justo que o idoso peregrinasse pelo mercado em busca de contratação de um seguro individual, pois em razão de sua idade, os valores seriam altíssimos, “o que, por vias oblíquas, significa desamparo quase completo”[5] .

Vale ressaltar, ainda, que o direito previsto acima deve ser perseguido no prazo de um ano do desligamento do empregado aposentado. Aqui, frise-se, apesar de discutível o prazo prescricional, com o desligamento (seja ele por demissão sem justa ou até mesmo por adesão ao plano de demissão voluntária), o empregado aposentado tem que comunicar a empresa que administra ou fornece o plano de saúde que quer fazer jus ao benefício do artigo 31, da Lei 9.656/88.

Assim, se a empresa não mantiver o ex-empregado e o empregado aposentado no plano que usufruía na constância do contrato, caberá ao judiciário a tutela do direito expressamente previsto nos artigos 30 e 31 da Lei 9.656/1988, ou seja, manter o segurado e seus dependentes no plano, nas mesmas condições (repise-se, inclusive mesmo preço) de que dispunha quando empregado.

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[1]. 349.427-4/9; Rel. Des. Caetano Lagrasta; j. em 18/10/2005; v.u.

[2] TJSP Apel. 502.732-4/5; Rel. Ênio Santarelli Zuliani; j. em 19/07/2007; v.u.

[3] TJSP, Apel. 376.707-4; Rel. Des. Isabela Gama de Magalhães; j. em 15/02/2007; v. u.

[4] TJSP, AI 579.873-4/6; Rel. Des. Ribeiro da Silva; j. em 22/10/2008; v. u.

[5] TJSP Apel. 498.706-4/5; Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani; j. em. 10/05/2007; v.u..

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